Com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) recentemente em vigor, um dos principais tópicos de discussão é a definição e o papel do Encarregado de Dados, previsto no artigo 41, ou, como é comumente identificado pelo brasileiro que importou o nome do exterior, o Data Protection Officer (“DPO”). A LGPD é sucinta ao tratar do DPO e deixa espaço para posterior regulamentação pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Enquanto aguardamos eventuais regulamentações adicionais, ou mesmo o desenvolvimento da atividade de forma natural pelo mercado, ECOMPLY.io, cumprindo sua promessa de cada vez mais trazer informações do exterior que podem auxiliar os brasileiros nesse processo de adequação com a nova lei, bateu um papo com Jörg Herrman, DPO na Alemanha, que compartilhou um pouco da sua experiência. Confira abaixo.
- Conte-nos um pouco sobre a sua trajetória profissional e como se tornou um DPO?
Eu me tornei um DPO de forma bastante aleatória. Fui editor-chefe de várias revistas de IT por 18 anos. Perdi meu emprego há 3 anos, momento em que a GDPR estava sendo implementada na Alemanha. Eu apenas agarrei a oportunidade.
- Quais são os principais papéis e responsabilidades de um DPO na União Europeia?
Os deveres e responsabilidades do DPO estão listados no artigo 9 da GDPR. Entre elas, (i) informar e aconselhar seu cliente de acordo com os termos das leis; (ii) monitorar o cumprimento da GDPR pelo cliente, bem como de eventuais outras regulamentações que se apliquem, o que inclui a atribuição de responsabilidades, conscientização e treinamento das pessoas envolvidas no processo de tratamento de dados; (iii) realização de auditorias; (iv) aconselhar, caso solicitado, no processo de avaliação de impacto de proteção de dados; (v) cooperar e atuar como intermediário da empresa com a autoridade supervisora, entre outros.
O DPO, ao desempenhar suas tarefas, deve considerar o risco de cada atividade de tratamento, levando em conta a natureza, o escopo, contexto e finalidades de tal atividade.
- No Brasil importamos o DPO da legislação europeia, quais dicas você poderia dar aos brasileiros que querem atuar nessa profissão?
Para os brasileiros que querem iniciar uma carreira como DPO, minhas dicas são:
- iniciar com a aquisição de um bom software, tal como ECOMPLY. E não estou brincando, o uso de um software faz toda a diferença! Você se perde muito fácil com Word ou Excel, por exemplo.
- Estabelecer uma rede de conexão com outros DPOs. É uma profissão que envolve muitas áreas cinzentas, muito mais do que respostas objetivas. É importante ter sempre um feedback de outro profissional.
- Exponha-se! Poste conteúdos no LinkedIn, por exemplo, mas mais importante, compareça a eventos de networking, dê palestras, e assim por diante. É lá que você conhecerá seus clientes.
- Use contratos de longa duração, com renovação automática. Torna a vida mais fácil.
- Há empresas brasileiras nomeando funcionários, contratando terceiros ou até mesmo indicando um comitê (grupo de pessoas) como DPO. Na europa o cenário é parecido?
Sim, o mesmo ocorre aqui. Mas lembre-se que mesmo que uma empresa conte com um DPO interno, ainda há espaço para DPOs externos oferecerem serviços tais como treinamentos.
- No Brasil também há a possibilidade de se contratar uma empresa externa como DPO as a service. Na sua visão, há algum conflito em ser uma empresa e não um profissional dedicado?
Isso é uma questão jurídica. Na Alemanha, não estava claro por muito tempo se era possível ou não essa contratação, o que fez com que as grandes empresas de DPO incluíssem seu CEO como DPO externo em todos os contratos. Agora não mais, e as próprias empresas são os DPOs externos. Vocês terão que ver como essa situação vai ser tratada no Brasil.
- O DPO precisa ter autonomia, imparcialidade e acesso à alta direção dos Controladores. Isso vem sendo uma realidade na Europa?
Como DPO externo e considerando minha experiência até o momento, posso dizer que sim. Mas imagino que isso deva ser muito mais difícil para o DPO interno.
- A não indicação de um DPO pode gerar multas aos Controladores. Qual é o momento ideal para a nomeação de um DPO?
O mais rápido possível. Especialmente para startups, no momento em que elas começam a processar os dados de clientes. Não esperem as autoridades requererem algo, pode ser que seja muito tarde para evitar multas.
- Ainda dependemos de uma regulamentação por parte da ANPD para detalhar melhor o papel e as funções do DPO, mas já há uma Instrução Normativa do Governo Federal do Brasil vedando a nomeação de funcionários da área de Tecnologia ou o próprio Gestor de Tecnologia como DPO nas entidades federais. Você concorda com essa vedação? (https://www.in.gov.br/web/dou/-/instrucao-normativa-sgd/me-n-117-de-19-de-novembro-de-2020-289515596)
SIm. Temos uma situação parecida com a GDPR. Empregados C-level são proibidos de tomar essa função, tal como o CIO. No entanto, funcionários de TI em geral podem ser nomeados como DPO. Um DPO tem que ser independente, e como chefe do departamento de TI, ele teria que lidar com a bagunça que ele mesmo produziu - o que seria incrivelmente difícil.
- Geralmente os DPOs europeus são profissionais de quais áreas originalmente?
As duas áreas principais seriam TI e Jurídica.
- Analisando as principais violações ao GDPR, percebemos que a ausência de base legal para o tratamento de dados, medidas técnicas e organizacionais insuficientes para a proteção dos dados e o desrespeito aos princípios legais são as principais causas de multas pelas autoridades supervisoras europeias. Qual é a responsabilidade do DPO e o quanto ele pode ajudar a evitar essas situações?
Um DPO deve sempre começar com uma análise das lacunas, gaps. Fazendo isso, ele verificará facilmente as violações mencionadas. O trabalho do DPO é justamente fazer recomendações de como resolver esses problemas. Eu trabalho com um roteiro. Lembre-se que o DPO não é responsável pela implementação de soluções. Ele é apenas um conselheiro, e a responsabilidade fica com o controlador.